quarta-feira, 28 de março de 2007

A BRAGUILHA - MARIO PRATA


A braguilha Abertura dianteira das bragas; portinhola. Abertura dianteira de qualquer calça, calção, ceroula, etc. É o que o Aurélio me diz. Mas aí já fica a dúvida. O que seriam as bragas?

"Calção, geralmente curto e largo, que se usava outrora." Para começar, acho a palavra braguilha uma das mais feias da nossa inculta e bela flor do Lácio.

Pronuncie em voz alta para você sentir. Gaguejou, não é? Quer matar um alemão, é pedir para ele falar esta palavra.

Braguilha consegue ser mais feia do que torrão, garrastazu ou barbalho (barbalho é um objeto que se assemelha a uma raiz, prossegue o Aurélio).

Pois bem. E o que é que a braguilha tem a ver com a calça? É que eu comprei uma calça esta semana e não tinha braguilha. Mas eu só vim a perceber isso na hora que eu precisei da braguilha.

Ou seja, no banheiro de um restaurante, naquele momento de aflição, em que a ação tem que ser rápida e rasteira. Não tinha. Achei que tinha colocado a calça de trás pra frente.

Levei a mão atrás, nada. Na dúvida, na aflição, num verdadeiro desespero, apenas eu, ali, eu e a calça sem braguilha. O resto você pode imaginar. Tive que sair pela porta dos fundos e ficar acenando para o meu filho pela janela. E ele perguntava pelo vidro? Braguilha? E fazia aquele gesto italiano com as mãos: maquê? Se essa geração não sabe o que é braguilha, acho que é por isso que resolveram fazer essa calça ensopada sem braguilha.

Braguilha é o seguinte: um dia, na Antiguidade, depois de vários séculos fazendo xixi nas bragas ("Xixi nas Bragas" parece título de livro do meu saudoso e imortal Mário Palmério), os nossos ancestrais resolveram fazer uma fenda por ali para facilitar o acesso ao livre-arbítrio.

Resolveu um problema, mas surgiu outro. Aquilo ficava aberto e, vez ou outra, o arbítrio colocava a cabeça para fora. Foi quando - mais ou menos no século 4.º - inventaram o botão. Pronto, a braguilha estava inventada.

Até que em 1893, um americano (tinha que ser um americano, né Mateus?) chamado W.L. Judson, inventou o zíper. Mas demorou muito até alguém ter a infeliz idéia de colocar o zíper na calça.

Sou do tempo das braguilhas de botão. Eram uns cinco ou seis. E caíam. Invariavelmente caíam um ou dois e a coisa ficava naquele estado. Sem contar uns que eram maiorzinhos e a gente mesmo arrancava para jogar futebol de botão. Eram ótimos ponta-esquerdas, marrons.

Mas quando o zíper chegou à braguilha, ainda não eram zíperes (eta pluralzinho besta) como os de hoje. Bons. Aquilo era quase uma ferramenta ali perto do que tanto idolatramos. Era um ferro, quase um cinto de castidade. E emperrava.

No meio de uma festa, na banheiro da casa da amiga, aquele troço preso pela metade. Isso, quando não pegava um pelinho e puxava. Aquilo doía muito.

Mas a melhor história que eu conheço de braguilha com zíper aconteceu com um amigo meu, lá pelos anos 60.

Eu tenho certeza que você não vai acreditar, mas é vero. Tanto é, que deu até casamento e hoje ele continua casado com a mesma moça (moça, naquele tempo) e já tem dois netos.

Foi assim. Naquele tempo não tinha motel. Principalmente no interior. Quem tinha o carro do pai se virada nos amassos, no que hoje chamam de ficar, dentro do fusquinha mesmo. Era complicado, mas dava. Os pedestres (eu disse pedestres) ficavam mesmo era no portão das casas, fazendo o que fosse possível.

Em pé. E foi numa dessas que o meu amigo e a namorada, ali, no escurinho da Rua Luís Gama, abaixaram o zíper das braguilhas das calças farwest e estavam naquela coisa.

Mão na mão, mão naquilo, aquilo na mão e quando partiram para o aquilo naquilo, os dois zíperes também resolveram se unir.

Isso. Um zíper pregou no outro. E não dava para tirar. Nem aquilo daquilo, nem o zíper do zíper.

E o pai da moça já tossindo lá dentro, que era o aviso que o namorico tinha acabado e amanhã tinha aula e olha a friagem.

E os dois ali. Unidos. Não dava nem para desabraçar. Quanto mais mãos tentavam desenroscar aquilo, pior ficava. Os dois suavam, a tosse do pai aumentava.

A solução seria tirar as duas calças, ali, em plena Luís Gama, a rua do cinema.

Foi quando acabou a sessão e a multidão começou a passar pelo dois abraçadinhos, cumprimentos envergonhados.

E foi também quando o pai saiu para fora e verificou que os dois haviam virado um, no sagrado sacramento do zíper.

- Foi o zíper, tio... Como se dizia naquele tempo, "casaram na marra". Ela, grávida. E não é que deu certo?

E, se eu disser que a primeira filha deles se chama zíperina, você não vai acreditar mesmo, né?


Mario Prata

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quarta-feira, 28 de março de 2007 às 5:53:00 PM |  

A braguilha Abertura dianteira das bragas; portinhola. Abertura dianteira de qualquer calça, calção, ceroula, etc. É o que o Aurélio me diz. Mas aí já fica a dúvida. O que seriam as bragas?

"Calção, geralmente curto e largo, que se usava outrora." Para começar, acho a palavra braguilha uma das mais feias da nossa inculta e bela flor do Lácio.

Pronuncie em voz alta para você sentir. Gaguejou, não é? Quer matar um alemão, é pedir para ele falar esta palavra.

Braguilha consegue ser mais feia do que torrão, garrastazu ou barbalho (barbalho é um objeto que se assemelha a uma raiz, prossegue o Aurélio).

Pois bem. E o que é que a braguilha tem a ver com a calça? É que eu comprei uma calça esta semana e não tinha braguilha. Mas eu só vim a perceber isso na hora que eu precisei da braguilha.

Ou seja, no banheiro de um restaurante, naquele momento de aflição, em que a ação tem que ser rápida e rasteira. Não tinha. Achei que tinha colocado a calça de trás pra frente.

Levei a mão atrás, nada. Na dúvida, na aflição, num verdadeiro desespero, apenas eu, ali, eu e a calça sem braguilha. O resto você pode imaginar. Tive que sair pela porta dos fundos e ficar acenando para o meu filho pela janela. E ele perguntava pelo vidro? Braguilha? E fazia aquele gesto italiano com as mãos: maquê? Se essa geração não sabe o que é braguilha, acho que é por isso que resolveram fazer essa calça ensopada sem braguilha.

Braguilha é o seguinte: um dia, na Antiguidade, depois de vários séculos fazendo xixi nas bragas ("Xixi nas Bragas" parece título de livro do meu saudoso e imortal Mário Palmério), os nossos ancestrais resolveram fazer uma fenda por ali para facilitar o acesso ao livre-arbítrio.

Resolveu um problema, mas surgiu outro. Aquilo ficava aberto e, vez ou outra, o arbítrio colocava a cabeça para fora. Foi quando - mais ou menos no século 4.º - inventaram o botão. Pronto, a braguilha estava inventada.

Até que em 1893, um americano (tinha que ser um americano, né Mateus?) chamado W.L. Judson, inventou o zíper. Mas demorou muito até alguém ter a infeliz idéia de colocar o zíper na calça.

Sou do tempo das braguilhas de botão. Eram uns cinco ou seis. E caíam. Invariavelmente caíam um ou dois e a coisa ficava naquele estado. Sem contar uns que eram maiorzinhos e a gente mesmo arrancava para jogar futebol de botão. Eram ótimos ponta-esquerdas, marrons.

Mas quando o zíper chegou à braguilha, ainda não eram zíperes (eta pluralzinho besta) como os de hoje. Bons. Aquilo era quase uma ferramenta ali perto do que tanto idolatramos. Era um ferro, quase um cinto de castidade. E emperrava.

No meio de uma festa, na banheiro da casa da amiga, aquele troço preso pela metade. Isso, quando não pegava um pelinho e puxava. Aquilo doía muito.

Mas a melhor história que eu conheço de braguilha com zíper aconteceu com um amigo meu, lá pelos anos 60.

Eu tenho certeza que você não vai acreditar, mas é vero. Tanto é, que deu até casamento e hoje ele continua casado com a mesma moça (moça, naquele tempo) e já tem dois netos.

Foi assim. Naquele tempo não tinha motel. Principalmente no interior. Quem tinha o carro do pai se virada nos amassos, no que hoje chamam de ficar, dentro do fusquinha mesmo. Era complicado, mas dava. Os pedestres (eu disse pedestres) ficavam mesmo era no portão das casas, fazendo o que fosse possível.

Em pé. E foi numa dessas que o meu amigo e a namorada, ali, no escurinho da Rua Luís Gama, abaixaram o zíper das braguilhas das calças farwest e estavam naquela coisa.

Mão na mão, mão naquilo, aquilo na mão e quando partiram para o aquilo naquilo, os dois zíperes também resolveram se unir.

Isso. Um zíper pregou no outro. E não dava para tirar. Nem aquilo daquilo, nem o zíper do zíper.

E o pai da moça já tossindo lá dentro, que era o aviso que o namorico tinha acabado e amanhã tinha aula e olha a friagem.

E os dois ali. Unidos. Não dava nem para desabraçar. Quanto mais mãos tentavam desenroscar aquilo, pior ficava. Os dois suavam, a tosse do pai aumentava.

A solução seria tirar as duas calças, ali, em plena Luís Gama, a rua do cinema.

Foi quando acabou a sessão e a multidão começou a passar pelo dois abraçadinhos, cumprimentos envergonhados.

E foi também quando o pai saiu para fora e verificou que os dois haviam virado um, no sagrado sacramento do zíper.

- Foi o zíper, tio... Como se dizia naquele tempo, "casaram na marra". Ela, grávida. E não é que deu certo?

E, se eu disser que a primeira filha deles se chama zíperina, você não vai acreditar mesmo, né?


Mario Prata
Postado por Igor Viana Marcadores: ,

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