sexta-feira, 18 de maio de 2007

A cachaça é coisa nossa!

Cachaçaria Ypioca - Iguatemi

A mais brasileira das bebidas é tema de edição dupla do ´Comer & Beber´. Na estréia, a saga da aguardente que conquistou o paladar mundial, driblando preconceitos e hostilidades.

As alcunhas são muitas, variáveis de uma localidade a outra. Todos nomes divertidos, que esbanjam criatividade e celebram a vivacidade da bebida. São eles: “água-que-passarinho-não-bebe”, “arrebenta-peito”, “assovio-de-cobra”, “branquinha”, “calibrina”, “caninha”, “engasga-gato”, “goró”, “jeribita”, “marafo”, “malvada”, “pinga”, “purinha” , “tome-juízo” e “zuninga”, dentre outros. Consumida em doses rápidas, alegam os entusiastas, a cachaça purga os males da alma e eleva o espírito.

O trago, amargo à primeira prova, cativa o paladar e aquece o corpo. Aperitivo apreciado, a cachaça também pode ser degustada após a refeição, “pra fechar a conta”. Trata-se de um artigo brasileiríssimo, porém, nem sempre valorizado. Se o mercado externo demonstra um crescente interesse pelo produto, em solo tupiquim a aguardente se esforça para fugir do estigma de “bebida de pobre”.

Um preconceito que se alimenta da desinformação. A exemplo de tantas outras bebidas aclamadas, a cachaça também possui uma história notável. E seu processo produtivo, para a surpresa dos detratores, concilia ciência e inspiração, tecnologia e paixão, entusiasmo e devoção.

História

A história da cachaça se confunde com os primórdios da colonização do Brasil - está vinculada à criação das feitorias e à proliferação dos canaviais, ainda no século XVI. Nos engenhos, durante a fervura da garapa, a espuma emergente removida dos tachos era jogada nos cochos para alimentar os animais. Ali, após fermentação, o produto se transformava numa espécie de caldo revigorante, rapidamente também consumido pelos escravos.

Os portugueses, que já conheciam as técnicas de destilação (produziam sua aguardente - a bagaceira - a partir do mosto de uvas), decidiram aplicá-las ao caldo da cana, para alimentar os escravos com a bebida. Tem início a história da cachaça, uma narrativa ainda carente de precisões - não há registros que atestem onde ela teria sido produzida pela primeira vez ou quando aportaram por aqui os primeiros alambiques (aparelho essencial ao processo de destilação).

O incipiente comércio de aguardente era visto de forma ambígua pela Coroa: ora estimulado, ora interditado por dificultar a venda de bebidas da metrópole. Com a concorrência do açúcar antilhano, todavia, a cachaça tornou-se forte moeda de troca no comércio de escravos. Tem início um período de expansão de seu consumo, em pleno século XVII.

Incomodada, porém, com a queda no comércio da bagaceira e alegando que a venda da bebida comprometia a extração de ouro em Minas Gerais (a aguardente era companhia fiel da legião de mineradores), a Coroa impôs pesados tributos à produção e consumo da cachaça. Tais restrições transformaram a bebida em um dos símbolo de resistência à dominação portuguesa, incensada em muitos movimentos separatistas do período.

Redenção

A relação de repulsa e veneração pela cachaça, portanto, é antiga. O preconceito com seu consumo tem matriz colonial - a bebida era associada aos escravos e aos “agitadores”. Hoje, porém, a “danada” parece redimida dos pecados de outrora: os europeus, por exemplo, lhe rendem tributos -apreciam a bebida e louvam a “caipirinha”, mais famoso drinque feito com aguardente.

Em Minas Gerais, principal estado produtor da variedade artesanal, existem cerca de 8,5 mil alambiques em funcionamento. Uma produção que alcança 200 milhões de litros por ano e movimenta R$ 1,5 bilhão só com o mercado interno, além de gerar aproximadamente 240 mil empregos. Os dados são da “Associação Mineira dos Produtores de Cachaça de Qualidade” (Ampaq). Os rótulos ali produzidos são célebres: “Havana” (rebatizada com o nome do criador, “Anísio Santiago”), “Rainha do Vale”, “Canarinha”, “Água de Bica”, “Dona Beja”, “Barrosinha” e “Tabaroa”, só pra citar alguns. Entre os “experts” do assunto, constituem a elite do segmento.

Tonel gigante - Atração do Museu da Cahaça

Berço de inúmeros engenhos, o Nordeste, por sua vez, não fica atrás. Também ostenta larga tradição na produção, consumo e exportação de aguardente. No Ceará, qualquer dono de botequim entende quando o cliente pede “dois dedos”, gesticulando com a mão, ou brada por uma “meota” - medida de cachaça equivalente a um casco de refrigerante pequeno. O estado, aliás, tem fabricantes consolidadas no mercado nacional e mundial, a exemplo da “Ypióca” e “Colonial”.
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DN

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sexta-feira, 18 de maio de 2007 às 10:09:00 AM |  
Cachaçaria Ypioca - Iguatemi

A mais brasileira das bebidas é tema de edição dupla do ´Comer & Beber´. Na estréia, a saga da aguardente que conquistou o paladar mundial, driblando preconceitos e hostilidades.

As alcunhas são muitas, variáveis de uma localidade a outra. Todos nomes divertidos, que esbanjam criatividade e celebram a vivacidade da bebida. São eles: “água-que-passarinho-não-bebe”, “arrebenta-peito”, “assovio-de-cobra”, “branquinha”, “calibrina”, “caninha”, “engasga-gato”, “goró”, “jeribita”, “marafo”, “malvada”, “pinga”, “purinha” , “tome-juízo” e “zuninga”, dentre outros. Consumida em doses rápidas, alegam os entusiastas, a cachaça purga os males da alma e eleva o espírito.

O trago, amargo à primeira prova, cativa o paladar e aquece o corpo. Aperitivo apreciado, a cachaça também pode ser degustada após a refeição, “pra fechar a conta”. Trata-se de um artigo brasileiríssimo, porém, nem sempre valorizado. Se o mercado externo demonstra um crescente interesse pelo produto, em solo tupiquim a aguardente se esforça para fugir do estigma de “bebida de pobre”.

Um preconceito que se alimenta da desinformação. A exemplo de tantas outras bebidas aclamadas, a cachaça também possui uma história notável. E seu processo produtivo, para a surpresa dos detratores, concilia ciência e inspiração, tecnologia e paixão, entusiasmo e devoção.

História

A história da cachaça se confunde com os primórdios da colonização do Brasil - está vinculada à criação das feitorias e à proliferação dos canaviais, ainda no século XVI. Nos engenhos, durante a fervura da garapa, a espuma emergente removida dos tachos era jogada nos cochos para alimentar os animais. Ali, após fermentação, o produto se transformava numa espécie de caldo revigorante, rapidamente também consumido pelos escravos.

Os portugueses, que já conheciam as técnicas de destilação (produziam sua aguardente - a bagaceira - a partir do mosto de uvas), decidiram aplicá-las ao caldo da cana, para alimentar os escravos com a bebida. Tem início a história da cachaça, uma narrativa ainda carente de precisões - não há registros que atestem onde ela teria sido produzida pela primeira vez ou quando aportaram por aqui os primeiros alambiques (aparelho essencial ao processo de destilação).

O incipiente comércio de aguardente era visto de forma ambígua pela Coroa: ora estimulado, ora interditado por dificultar a venda de bebidas da metrópole. Com a concorrência do açúcar antilhano, todavia, a cachaça tornou-se forte moeda de troca no comércio de escravos. Tem início um período de expansão de seu consumo, em pleno século XVII.

Incomodada, porém, com a queda no comércio da bagaceira e alegando que a venda da bebida comprometia a extração de ouro em Minas Gerais (a aguardente era companhia fiel da legião de mineradores), a Coroa impôs pesados tributos à produção e consumo da cachaça. Tais restrições transformaram a bebida em um dos símbolo de resistência à dominação portuguesa, incensada em muitos movimentos separatistas do período.

Redenção

A relação de repulsa e veneração pela cachaça, portanto, é antiga. O preconceito com seu consumo tem matriz colonial - a bebida era associada aos escravos e aos “agitadores”. Hoje, porém, a “danada” parece redimida dos pecados de outrora: os europeus, por exemplo, lhe rendem tributos -apreciam a bebida e louvam a “caipirinha”, mais famoso drinque feito com aguardente.

Em Minas Gerais, principal estado produtor da variedade artesanal, existem cerca de 8,5 mil alambiques em funcionamento. Uma produção que alcança 200 milhões de litros por ano e movimenta R$ 1,5 bilhão só com o mercado interno, além de gerar aproximadamente 240 mil empregos. Os dados são da “Associação Mineira dos Produtores de Cachaça de Qualidade” (Ampaq). Os rótulos ali produzidos são célebres: “Havana” (rebatizada com o nome do criador, “Anísio Santiago”), “Rainha do Vale”, “Canarinha”, “Água de Bica”, “Dona Beja”, “Barrosinha” e “Tabaroa”, só pra citar alguns. Entre os “experts” do assunto, constituem a elite do segmento.

Tonel gigante - Atração do Museu da Cahaça

Berço de inúmeros engenhos, o Nordeste, por sua vez, não fica atrás. Também ostenta larga tradição na produção, consumo e exportação de aguardente. No Ceará, qualquer dono de botequim entende quando o cliente pede “dois dedos”, gesticulando com a mão, ou brada por uma “meota” - medida de cachaça equivalente a um casco de refrigerante pequeno. O estado, aliás, tem fabricantes consolidadas no mercado nacional e mundial, a exemplo da “Ypióca” e “Colonial”.
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Postado por Igor Viana Marcadores: ,

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