segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Litoral ameaçado pelo mar


Os profetas dos novos tempos já anunciavam que um dia o sertão ia virar mar. O que parecia devaneio, está cada vez mais próximo de se realizar, graças às mudanças climáticas, ambientais e à ação do homem. No litoral do Ceará, essas transformações vêm acontecendo há décadas. Aos poucos, o mar avança em direção à costa. São aproximadamente cinco metros de avanço por ano somente no litoral oeste.

A perda de terra firme está deixando apreensivos empresários e moradores de praias como o Icaraí. Eles temem o mar e depositam as esperanças na construção de um espigão horizontal de areia e pedra que deverá conter a ação da natureza. A cada nova fase da lua, quando a maré aumenta, os empresários torcem para que as barracas suportem a força da água salgada. Eles depositam toda a confiança e economias em carradas de pedras cravadas na areia que estão, por enquanto, contendo as ondas do mar.

Ao longo de cinco anos, a empresária Cíntia Monteiro estima que já tenha comprado em torno de 180 carradas de areia para evitar o avanço do mar. Mesmo assim, no ano passado, ela teve que recuperar 80% da barraca que foi destruída pelas ondas. “Quem ainda está aqui só consegue ficar por causa do sistema de contenção de pedras, quem não fez isso teve que fechar as portas”, conta a empresária.

Foi o que aconteceu com o proprietário de uma barraca vizinha a de Cíntia. Ele desistiu do ramo porque o mar levou toda a estrutura do estabelecimento há um mês. De acordo com o presidente da Associação do Comércio do Icaraí, Barbosa Pinheiro, há 20 anos atrás, mais de 100 barracas existiam ao longo da praia, hoje, esse número foi reduzido para uma dezena. “É uma questão social, é uma comunidade inteira prejudicada”, observa Barbosa.

As perdas dos comerciantes da praia se refletem na diminuição da freqüência de banhistas e na redução dos postos de trabalho gerados pela atividade. A estimativa da Prefeitura de Caucaia é de que 400 empregos diretos e indiretos tenham sido prejudicados com o avanço do mar. Barracas que antes tinham mais de 100 funcionários, hoje abrem as portas com metade do quadro pessoal. No ramo de pousadas e hotéis, a situação preocupa. A ocupação vem decaindo.

Na baixa estação, a freqüência caiu em 50%, perda atribuída ao avanço do mar pelo presidente da Associação do Comércio do Icaraí. Nem mesmo os atrativos naturais da praia como água limpa, segurança, ou a facilidade de acesso por estar a 30 minutos de viagem do Centro de Fortaleza estão sendo suficientes para atrair o público. A expectativa dos empresário é de que seja agilizado o projeto de recuperação do litoral de Caucaia, que prevê a construção de um espigão horizontal na praia, com o intuito de conter o avanço do mar e preservar a praia.

“A gente está morrendo afogado aqui e não tem agilidade no projeto”, desabafou Cíntia Monteiro, que espera ansiosa pelo dia em que verá o mar como aliado e não inimigo.

RECUPERAÇÃO DO LITORAL - Projeto espera verbas federais para ter início

A contenção da erosão na praia do Icaraí está mais próxima. A Prefeitura de Caucaia aguarda autorização do Ministério da Integração Nacional para contratar a instituição que fará o projeto executivo de recuperação do litoral de Caucaia.


O projeto prevê a construção de um espigão horizontal ao longo de três quilômetros do litoral daquele município.

O nível de gravidade da erosão costeira fez com que a Prefeitura de Caucaia decretasse estado de calamidade pública na praia do Icaraí. O decreto foi homologado pelo governo do Estado no mês passado e foi encaminhado para o Ministério da Integração. Os estudos preliminares foram realizados pelo Instituto de Ciências do Mar (Labomar). A previsão é de que a construção do espigão custe em torno de R$ 60 milhões, verba que foi assegurada pelo Ministério da Integração.

“O município não tem como absorver uma obra desse porte sozinho, nossa contrapartida é de 10%”, frisa o presidente da Fundação de Desenvolvimento do Turismo de Caucaia, Ted Pontes. A primeira fase do projeto é a elaboração do estudo de impacto ambiental, que deverá ser realizado pelo Labomar, com um custo de R$ 600 mil, conforme estima Pontes. A expectativa é de que já em abril de 2008 sejam iniciadas as obras. No Icaraí, o paredão terá 300 metros de comprimento, mas o projeto irá abranger três km do litoral de Caucaia.

INTERVENÇÃO - Solução deve equilibrar natureza e ação do homem

O avanço do mar, que desagrada quem vive da atividade comercial nas praias do Ceará, é resultado da erosão da costa, provocada pela dinâmica das ondas e marés. Como explica o professor de Engenharia Civil e especialista em hidrodinâmica costeira, Francisco Osny Enéas da Silva, a contenção da erosão costeira pode se dar através de três intervenções: espigões verticais, quebra-mar aderente ou espigão horizontal e quebra-mar destacado.

A opção horizontal — escolhida para o caso do Icaraí — irá barrar o avanço do mar durante um período, mas a erosão poderá atingir outras áreas, como as praias da Tabuba e Cumbuco. A medida escolhida pode ser apenas um paliativo. “O mar é nosso aliado, mas ele responde às agressões que são feitas a ele”, frisa o professor da Universidade de Fortaleza.

Explica que ideal seria a construção de quebra-mares destacados, que provocariam a difração das ondas, fazendo com que a areia contornasse o quebra-mar e se depositasse atrás dele.

O obstáculo impediria o avanço do mar e mais bancos de areia se formariam na praia. Dessa forma, a margem costeira cresceria. “Embora seja mais caro, ele é a solução mais correta”, avalia o professor. Essas intervenções devem ser pensadas a partir de um plano de gerenciamento do litoral. Dos 184 municípios cearenses, 20 deles estão situados na zona litorânea, apenas Icapuí, Beberibe e Fortaleza possuem um plano de gerenciamento da orla marítima. Com a nova fase do Projeto Orla, em 2008, do governo federal, Caucaia poderá ser o próximo município a ter um plano desse porte.

PROBLEMA HISTÓRICO - Erosão da costa foi provocada por mudanças há 60 anos

A erosão costeira enfrentada no litoral oeste é resultado do processo de urbanização da Capital e da instalação do Porto do Mucuripe. A diminuição do transporte de sedimentos (areia) pelo vento é um dos motivos do avanço do mar. Na década de 1940, antes da construção do Porto do Mucuripe eram transportados pela natureza cerca de 200 milhões de litros de areia por ano.

Com a instalação do porto, a impermeabilização das dunas a partir da construção de imóveis e a elevação dos prédios barrando a passagem dos ventos, a areia que antes se depositava na costa impedindo que o mar avançasse diminuiu. O professor de engenharia Osny Enéas acrescenta que esse transporte de sedimentos é responsável pelo equilíbrio entre os fenômenos de erosão (invasão do mar) e acresção (praia avançando em direção ao mar).

Quando esse transporte é interrompido, a erosão tem início. Para o professor, a construção dos espigões, no Tintanzinho, na Praia de Iracema e no Pirambu até a Barra do Ceará, contiveram a erosão em Fortaleza, mas empurraram o mar em direção ao litoral oeste. “Nós ainda estamos pagando o preço pelos erros do passado”, reflete o engenheiro.
dn

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segunda-feira, 22 de outubro de 2007 às 7:53:00 AM |  

Os profetas dos novos tempos já anunciavam que um dia o sertão ia virar mar. O que parecia devaneio, está cada vez mais próximo de se realizar, graças às mudanças climáticas, ambientais e à ação do homem. No litoral do Ceará, essas transformações vêm acontecendo há décadas. Aos poucos, o mar avança em direção à costa. São aproximadamente cinco metros de avanço por ano somente no litoral oeste.

A perda de terra firme está deixando apreensivos empresários e moradores de praias como o Icaraí. Eles temem o mar e depositam as esperanças na construção de um espigão horizontal de areia e pedra que deverá conter a ação da natureza. A cada nova fase da lua, quando a maré aumenta, os empresários torcem para que as barracas suportem a força da água salgada. Eles depositam toda a confiança e economias em carradas de pedras cravadas na areia que estão, por enquanto, contendo as ondas do mar.

Ao longo de cinco anos, a empresária Cíntia Monteiro estima que já tenha comprado em torno de 180 carradas de areia para evitar o avanço do mar. Mesmo assim, no ano passado, ela teve que recuperar 80% da barraca que foi destruída pelas ondas. “Quem ainda está aqui só consegue ficar por causa do sistema de contenção de pedras, quem não fez isso teve que fechar as portas”, conta a empresária.

Foi o que aconteceu com o proprietário de uma barraca vizinha a de Cíntia. Ele desistiu do ramo porque o mar levou toda a estrutura do estabelecimento há um mês. De acordo com o presidente da Associação do Comércio do Icaraí, Barbosa Pinheiro, há 20 anos atrás, mais de 100 barracas existiam ao longo da praia, hoje, esse número foi reduzido para uma dezena. “É uma questão social, é uma comunidade inteira prejudicada”, observa Barbosa.

As perdas dos comerciantes da praia se refletem na diminuição da freqüência de banhistas e na redução dos postos de trabalho gerados pela atividade. A estimativa da Prefeitura de Caucaia é de que 400 empregos diretos e indiretos tenham sido prejudicados com o avanço do mar. Barracas que antes tinham mais de 100 funcionários, hoje abrem as portas com metade do quadro pessoal. No ramo de pousadas e hotéis, a situação preocupa. A ocupação vem decaindo.

Na baixa estação, a freqüência caiu em 50%, perda atribuída ao avanço do mar pelo presidente da Associação do Comércio do Icaraí. Nem mesmo os atrativos naturais da praia como água limpa, segurança, ou a facilidade de acesso por estar a 30 minutos de viagem do Centro de Fortaleza estão sendo suficientes para atrair o público. A expectativa dos empresário é de que seja agilizado o projeto de recuperação do litoral de Caucaia, que prevê a construção de um espigão horizontal na praia, com o intuito de conter o avanço do mar e preservar a praia.

“A gente está morrendo afogado aqui e não tem agilidade no projeto”, desabafou Cíntia Monteiro, que espera ansiosa pelo dia em que verá o mar como aliado e não inimigo.

RECUPERAÇÃO DO LITORAL - Projeto espera verbas federais para ter início

A contenção da erosão na praia do Icaraí está mais próxima. A Prefeitura de Caucaia aguarda autorização do Ministério da Integração Nacional para contratar a instituição que fará o projeto executivo de recuperação do litoral de Caucaia.


O projeto prevê a construção de um espigão horizontal ao longo de três quilômetros do litoral daquele município.

O nível de gravidade da erosão costeira fez com que a Prefeitura de Caucaia decretasse estado de calamidade pública na praia do Icaraí. O decreto foi homologado pelo governo do Estado no mês passado e foi encaminhado para o Ministério da Integração. Os estudos preliminares foram realizados pelo Instituto de Ciências do Mar (Labomar). A previsão é de que a construção do espigão custe em torno de R$ 60 milhões, verba que foi assegurada pelo Ministério da Integração.

“O município não tem como absorver uma obra desse porte sozinho, nossa contrapartida é de 10%”, frisa o presidente da Fundação de Desenvolvimento do Turismo de Caucaia, Ted Pontes. A primeira fase do projeto é a elaboração do estudo de impacto ambiental, que deverá ser realizado pelo Labomar, com um custo de R$ 600 mil, conforme estima Pontes. A expectativa é de que já em abril de 2008 sejam iniciadas as obras. No Icaraí, o paredão terá 300 metros de comprimento, mas o projeto irá abranger três km do litoral de Caucaia.

INTERVENÇÃO - Solução deve equilibrar natureza e ação do homem

O avanço do mar, que desagrada quem vive da atividade comercial nas praias do Ceará, é resultado da erosão da costa, provocada pela dinâmica das ondas e marés. Como explica o professor de Engenharia Civil e especialista em hidrodinâmica costeira, Francisco Osny Enéas da Silva, a contenção da erosão costeira pode se dar através de três intervenções: espigões verticais, quebra-mar aderente ou espigão horizontal e quebra-mar destacado.

A opção horizontal — escolhida para o caso do Icaraí — irá barrar o avanço do mar durante um período, mas a erosão poderá atingir outras áreas, como as praias da Tabuba e Cumbuco. A medida escolhida pode ser apenas um paliativo. “O mar é nosso aliado, mas ele responde às agressões que são feitas a ele”, frisa o professor da Universidade de Fortaleza.

Explica que ideal seria a construção de quebra-mares destacados, que provocariam a difração das ondas, fazendo com que a areia contornasse o quebra-mar e se depositasse atrás dele.

O obstáculo impediria o avanço do mar e mais bancos de areia se formariam na praia. Dessa forma, a margem costeira cresceria. “Embora seja mais caro, ele é a solução mais correta”, avalia o professor. Essas intervenções devem ser pensadas a partir de um plano de gerenciamento do litoral. Dos 184 municípios cearenses, 20 deles estão situados na zona litorânea, apenas Icapuí, Beberibe e Fortaleza possuem um plano de gerenciamento da orla marítima. Com a nova fase do Projeto Orla, em 2008, do governo federal, Caucaia poderá ser o próximo município a ter um plano desse porte.

PROBLEMA HISTÓRICO - Erosão da costa foi provocada por mudanças há 60 anos

A erosão costeira enfrentada no litoral oeste é resultado do processo de urbanização da Capital e da instalação do Porto do Mucuripe. A diminuição do transporte de sedimentos (areia) pelo vento é um dos motivos do avanço do mar. Na década de 1940, antes da construção do Porto do Mucuripe eram transportados pela natureza cerca de 200 milhões de litros de areia por ano.

Com a instalação do porto, a impermeabilização das dunas a partir da construção de imóveis e a elevação dos prédios barrando a passagem dos ventos, a areia que antes se depositava na costa impedindo que o mar avançasse diminuiu. O professor de engenharia Osny Enéas acrescenta que esse transporte de sedimentos é responsável pelo equilíbrio entre os fenômenos de erosão (invasão do mar) e acresção (praia avançando em direção ao mar).

Quando esse transporte é interrompido, a erosão tem início. Para o professor, a construção dos espigões, no Tintanzinho, na Praia de Iracema e no Pirambu até a Barra do Ceará, contiveram a erosão em Fortaleza, mas empurraram o mar em direção ao litoral oeste. “Nós ainda estamos pagando o preço pelos erros do passado”, reflete o engenheiro.
dn
Postado por Igor Viana Marcadores:

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