sexta-feira, 15 de junho de 2007

Vamos botar água no feijão


Mais celebrada criação da gastronomia brasileira, a feijoada é iguaria apreciada nacionalmente. Para os entusiastas, a regra é consumi-la sem moderação, em rodas festivas, acompanhada de samba e caipirinha.

O caldeirão, à primeira vista, impressiona pela diversidade de ingredientes e o forte aroma dos temperos. Os mais sisudos torcem o nariz e enumeram os atributos negativos – comida pesada, indigesta, gordurosa, feita com insumos pouco nobres... Para a multidão de entusiastas, porém, a censura é irrelevante: em coro, celebram o sabor da feijoada brasileira, uma receita abençoada e, para muitos, indispensável nos fins de semana.

Ante a iguaria, esqueçam os ponteiros da balança, não contabilizem as calorias ou o teor de colesterol – depois da digestão, os “vigilantes do peso” terão tempo de sobra para queimar a energia acumulada em atividades físicas. A dica, portanto, é participar do banquete sem parcimônia ou timidez. Nas rodas de feijoada, vale o desregramento: sentidos despertos para identificar os ingredientes em harmonia no caldeirão e apreciar o sabor marcante da receita. Afinal, como asseguram os devotos da guloseima: ninguém come feijoada moderamente – a regra é se esbaldar!

O que vai à panela que borbulha, convidando enfaticamente os glutões? A mistura é convidativa: feijão preto, paio, carne seca, toucinho, lingüiça, defumados de porco e folha de louro. Como guarnição: arroz branco, farofa de torresmo, molho de pimenta e couve refogada (em fatias finas, puxada no alho). Para “equilibrar” o gosto e “limpar” o paladar, rodelas de laranja acompanham a refeição. E para beber? As predileções se dividem entre a cerveja estupidamente gelada e a caipirinha caprichada.

Poucos alimentos, no Brasil, desfrutam da popularidade da feijoada. Presença garantida nos bufês de self-service às sextas e sábados, onde é solicitada com voracidade, a receita também é requisitada para comemorações ou reuniões entre amigos. Talvez porque o rito de degustação da iguaria, diferentemente de outros pratos, exija congraçamento e horas de entrega – quem participa de uma feijoada, está ali para papear sem pressa e compartilhar o prazer da refeição.

Patrimônio brasileiro

Entregar-se à boa feijoada é hábito já antigo entre os brasileiros – em localidades como Rio de Janeiro e São Paulo, é profissão de fé, compromisso inadiável. Para muitos, a receita constitui a mais genuína e representativa criação da gastronomia brasileira, a ponto de definir nossa identidade culinária e de ser “exportada” como símbolo nacional. Onde houver uma roda de brasileiros, em algum momento uma cumbuca de feijoada será posta à mesa. De preferência, acompanhada de uma gostosa batucada.

Mergulhar na história e tradição de seu consumo, asseguram os entusiastas, é estudar a própria cultura e formação do povo brasileiro. Sua origem, asseguram, resulta do encontro das etnias indígena, portuguesa e africana – os grupos que plasmaram o Brasil Nação.

Existe uma explicação, quase mítica, sobre a procedência da feijoada: ela teria sido criação dos escravos nas senzalas, a partir dos “restos e sobras” de porcos doados pelos senhores para a alimentação dos cativos. Pela ação talentosa da cozinheira negra, as carnes acrescidas ao feijão durante o cozimento se transformariam em feijoada. Mais tarde, o prato inventado pelo contingente explorado subverteria as relações de classe, conquistando todas os grupos sociais, inclusive os abastados.

Repetida à exaustão por muitos, tal versão, no entanto, não se sustenta – a alegada origem não passaria de lenda folclórica e esboçaria uma visão quase romântica das relações escravistas no Brasil. O padrão alimentar do negro, no século XVIII, tinha como base não o feijão, mas a farinha de mandioca e o milho. Força motriz da economia, o cativo possuía uma dieta regular, porém distante das exigências do trabalho forçado.

Além disso, dada a escassez nutritiva propiciada pela monocultura, também os senhores de engenhos sofriam deficiências alimentares – o que desmistifica a idéia de que as “sobras” de porcos fossem um insumo desprezado e “doado” à senzala. Como ilustram os historiadores, não existe nenhuma referência documental a respeito de uma humilde feijoada, elaborada em tempos coloniais por negros famintos.

É certo que a origem da receita remete à própria história do feijão e de sua cultura entre nós. O baixo custo da lavoura fez com que a leguminosa se popularizasse nos séculos XVIII e XIX, como atestam os relatos de muitos viajantes. Porém, a criação da suculenta iguaria seria tarefa do brasileiro mestiço, tipo físico e cultural resultante da colonização.

Da Europa, sobretudo de Portugal, veio o gosto pelo consumo do feijão cozido com cortes de porco. Nas regiões de Beiras, Trás-os-Montes e Alto Douro, por exemplo, eram comuns as receitas de feijão com lingüiças e pés de porco. Também o “cassoulet francês” é indicado por alguns como o ancestral da iguaria brasileira. Mas, se a influência européia parece evidente, é importante ressaltar que o feijão preto é variedade exclusiva da América e que seu consumo com farinha é tradição brasileiríssima.

Tradição nos fins de semana

Degustar uma suculenta feijoada no fim de semana é hábito nacional há muito consolidado. Em Fortaleza, são inúmeros os estabelecimentos que se especializaram na venda da iguaria.

Um deles é o “Restaurante da Zena”, há 30 anos uma referência local quando o assunto é feijoada. Às sextas e sábados, quando o prato é o grande destaque do cardápio, o frenesi de clientes, muitos de longa data, é constante. Segundo a gerente Francisca Nascimento dos Santos, que também responde pelo tempero das panelas, o cuidado no manuseio dos ingredientes justifica a aprovação.

“Usamos produtos de primeira, entregues por um fornecedor que trabalha conosco há anos. Além disso, tudo é feito com carinho. Não dizem que o melhor tempero é o amor?”, brinca Francisca. Vendida em porções fartas, suficiente para três pessoas, a feijoada completa custa R$ 24,00 e, além da cumbuca de feijão, acompanha arroz branco, farofa de torresmo, couve refogada e uma porção de abacaxi ou de laranja como tira-gosto. Quem quiser, pode levar a iguaria pra casa – o preço sobe para R$ 25,00. Para bebericar, a cerveja gelada sai por R$ 2,70.

Hotéis

O sabor da feijoada também conquistou a alta gastronomia – aos sábados, muitos hotéis abriram espaço para o brasileiríssimo prato. No restaurante “Atlântico”, do Oásis Atlântico Imperial, a iguaria é consumida num bufê, que inclui muitas opções de saladas, guarnições e sobremesas (R$ 24,00/pessoa). O serviço tem início às 12h – o samba de mesa mantém o pique dos clientes.


“Temos o auxílio de uma nutricionista, que supervisiona o preparo de tudo e auxilia na redução da gordura. Além disso, as carnes são cozidas separadamente, o que permite ao cliente escolher exatamente os cortes que deseja consumir. Quem preferir uma opção ainda mais leve, pode se servir dos grelhados”, ressalta Valdécio Santos, gerente de alimentos do hotel.

No “Mucuripe Grill”, restaurante do Gran Marquise by Sol Meliá, a feijoada aos sábados é tradição de quase uma década. Ali, a iguaria também é consumida no estilo bufê (R$ 28,00/pessoa), em caldeirões que separam os ingredientes, para que o cliente possa se servir apenas do que desejar. Saladas, guarnições e sobremesas complementam o menu. Uma roda de choro confere um clima boêmio ao almoço. Os interessados devem chegar cedo, pois o espaço lota rapidamente. A vista do Mucuripe emoldura o cenário da feijoada. (LR)

Mais informações:

´Mucuripe Grill´ - Avenida Beira-Mar, 3980, Mucuripe (Hotel Gran Marquise by Sol Meliá). Telefone: 4006-5000

´Restaurante Atlântico´ - Avenida Beira-Mar, 500, Meireles (Hotel Oásis Atlântico Imperial). Telefone: 4009.2800

´Restaurante da Zena´ - Rua Meton de Alencar, 549, Centro. Telefone: 3226-3690

dn

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sexta-feira, 15 de junho de 2007 às 4:00:00 PM |  

Mais celebrada criação da gastronomia brasileira, a feijoada é iguaria apreciada nacionalmente. Para os entusiastas, a regra é consumi-la sem moderação, em rodas festivas, acompanhada de samba e caipirinha.

O caldeirão, à primeira vista, impressiona pela diversidade de ingredientes e o forte aroma dos temperos. Os mais sisudos torcem o nariz e enumeram os atributos negativos – comida pesada, indigesta, gordurosa, feita com insumos pouco nobres... Para a multidão de entusiastas, porém, a censura é irrelevante: em coro, celebram o sabor da feijoada brasileira, uma receita abençoada e, para muitos, indispensável nos fins de semana.

Ante a iguaria, esqueçam os ponteiros da balança, não contabilizem as calorias ou o teor de colesterol – depois da digestão, os “vigilantes do peso” terão tempo de sobra para queimar a energia acumulada em atividades físicas. A dica, portanto, é participar do banquete sem parcimônia ou timidez. Nas rodas de feijoada, vale o desregramento: sentidos despertos para identificar os ingredientes em harmonia no caldeirão e apreciar o sabor marcante da receita. Afinal, como asseguram os devotos da guloseima: ninguém come feijoada moderamente – a regra é se esbaldar!

O que vai à panela que borbulha, convidando enfaticamente os glutões? A mistura é convidativa: feijão preto, paio, carne seca, toucinho, lingüiça, defumados de porco e folha de louro. Como guarnição: arroz branco, farofa de torresmo, molho de pimenta e couve refogada (em fatias finas, puxada no alho). Para “equilibrar” o gosto e “limpar” o paladar, rodelas de laranja acompanham a refeição. E para beber? As predileções se dividem entre a cerveja estupidamente gelada e a caipirinha caprichada.

Poucos alimentos, no Brasil, desfrutam da popularidade da feijoada. Presença garantida nos bufês de self-service às sextas e sábados, onde é solicitada com voracidade, a receita também é requisitada para comemorações ou reuniões entre amigos. Talvez porque o rito de degustação da iguaria, diferentemente de outros pratos, exija congraçamento e horas de entrega – quem participa de uma feijoada, está ali para papear sem pressa e compartilhar o prazer da refeição.

Patrimônio brasileiro

Entregar-se à boa feijoada é hábito já antigo entre os brasileiros – em localidades como Rio de Janeiro e São Paulo, é profissão de fé, compromisso inadiável. Para muitos, a receita constitui a mais genuína e representativa criação da gastronomia brasileira, a ponto de definir nossa identidade culinária e de ser “exportada” como símbolo nacional. Onde houver uma roda de brasileiros, em algum momento uma cumbuca de feijoada será posta à mesa. De preferência, acompanhada de uma gostosa batucada.

Mergulhar na história e tradição de seu consumo, asseguram os entusiastas, é estudar a própria cultura e formação do povo brasileiro. Sua origem, asseguram, resulta do encontro das etnias indígena, portuguesa e africana – os grupos que plasmaram o Brasil Nação.

Existe uma explicação, quase mítica, sobre a procedência da feijoada: ela teria sido criação dos escravos nas senzalas, a partir dos “restos e sobras” de porcos doados pelos senhores para a alimentação dos cativos. Pela ação talentosa da cozinheira negra, as carnes acrescidas ao feijão durante o cozimento se transformariam em feijoada. Mais tarde, o prato inventado pelo contingente explorado subverteria as relações de classe, conquistando todas os grupos sociais, inclusive os abastados.

Repetida à exaustão por muitos, tal versão, no entanto, não se sustenta – a alegada origem não passaria de lenda folclórica e esboçaria uma visão quase romântica das relações escravistas no Brasil. O padrão alimentar do negro, no século XVIII, tinha como base não o feijão, mas a farinha de mandioca e o milho. Força motriz da economia, o cativo possuía uma dieta regular, porém distante das exigências do trabalho forçado.

Além disso, dada a escassez nutritiva propiciada pela monocultura, também os senhores de engenhos sofriam deficiências alimentares – o que desmistifica a idéia de que as “sobras” de porcos fossem um insumo desprezado e “doado” à senzala. Como ilustram os historiadores, não existe nenhuma referência documental a respeito de uma humilde feijoada, elaborada em tempos coloniais por negros famintos.

É certo que a origem da receita remete à própria história do feijão e de sua cultura entre nós. O baixo custo da lavoura fez com que a leguminosa se popularizasse nos séculos XVIII e XIX, como atestam os relatos de muitos viajantes. Porém, a criação da suculenta iguaria seria tarefa do brasileiro mestiço, tipo físico e cultural resultante da colonização.

Da Europa, sobretudo de Portugal, veio o gosto pelo consumo do feijão cozido com cortes de porco. Nas regiões de Beiras, Trás-os-Montes e Alto Douro, por exemplo, eram comuns as receitas de feijão com lingüiças e pés de porco. Também o “cassoulet francês” é indicado por alguns como o ancestral da iguaria brasileira. Mas, se a influência européia parece evidente, é importante ressaltar que o feijão preto é variedade exclusiva da América e que seu consumo com farinha é tradição brasileiríssima.

Tradição nos fins de semana

Degustar uma suculenta feijoada no fim de semana é hábito nacional há muito consolidado. Em Fortaleza, são inúmeros os estabelecimentos que se especializaram na venda da iguaria.

Um deles é o “Restaurante da Zena”, há 30 anos uma referência local quando o assunto é feijoada. Às sextas e sábados, quando o prato é o grande destaque do cardápio, o frenesi de clientes, muitos de longa data, é constante. Segundo a gerente Francisca Nascimento dos Santos, que também responde pelo tempero das panelas, o cuidado no manuseio dos ingredientes justifica a aprovação.

“Usamos produtos de primeira, entregues por um fornecedor que trabalha conosco há anos. Além disso, tudo é feito com carinho. Não dizem que o melhor tempero é o amor?”, brinca Francisca. Vendida em porções fartas, suficiente para três pessoas, a feijoada completa custa R$ 24,00 e, além da cumbuca de feijão, acompanha arroz branco, farofa de torresmo, couve refogada e uma porção de abacaxi ou de laranja como tira-gosto. Quem quiser, pode levar a iguaria pra casa – o preço sobe para R$ 25,00. Para bebericar, a cerveja gelada sai por R$ 2,70.

Hotéis

O sabor da feijoada também conquistou a alta gastronomia – aos sábados, muitos hotéis abriram espaço para o brasileiríssimo prato. No restaurante “Atlântico”, do Oásis Atlântico Imperial, a iguaria é consumida num bufê, que inclui muitas opções de saladas, guarnições e sobremesas (R$ 24,00/pessoa). O serviço tem início às 12h – o samba de mesa mantém o pique dos clientes.


“Temos o auxílio de uma nutricionista, que supervisiona o preparo de tudo e auxilia na redução da gordura. Além disso, as carnes são cozidas separadamente, o que permite ao cliente escolher exatamente os cortes que deseja consumir. Quem preferir uma opção ainda mais leve, pode se servir dos grelhados”, ressalta Valdécio Santos, gerente de alimentos do hotel.

No “Mucuripe Grill”, restaurante do Gran Marquise by Sol Meliá, a feijoada aos sábados é tradição de quase uma década. Ali, a iguaria também é consumida no estilo bufê (R$ 28,00/pessoa), em caldeirões que separam os ingredientes, para que o cliente possa se servir apenas do que desejar. Saladas, guarnições e sobremesas complementam o menu. Uma roda de choro confere um clima boêmio ao almoço. Os interessados devem chegar cedo, pois o espaço lota rapidamente. A vista do Mucuripe emoldura o cenário da feijoada. (LR)

Mais informações:

´Mucuripe Grill´ - Avenida Beira-Mar, 3980, Mucuripe (Hotel Gran Marquise by Sol Meliá). Telefone: 4006-5000

´Restaurante Atlântico´ - Avenida Beira-Mar, 500, Meireles (Hotel Oásis Atlântico Imperial). Telefone: 4009.2800

´Restaurante da Zena´ - Rua Meton de Alencar, 549, Centro. Telefone: 3226-3690

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Postado por Igor Viana Marcadores:

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